Alto índice de suicídios provoca debate sobre saúde mental dos profissionais da segurança
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- Criado: Segunda, 07 Outubro 2019 13:05
O aumento do índice de suicídio entre profissionais da segurança pública em Minas Gerais foi tema de audiência realizada nesta sexta-feira, pela Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Para discutir o assunto, o deputado Sargento Rodrigues, autor do requerimento, convidou representantes das Polícias Militar e Civil, Corpo de Bombeiros, Secretaria de Justiça e Segurança Pública, além de especialistas, familiares, associações e sindicatos representantes dos servidores da classe.
Segundo dados divulgados, só neste ano, mais de trinta profissionais da área teriam falecido em razão de suicídio. O deputado Sargento Rodrigues abriu a reunião ponderando que o fato de ser realizada uma audiência pública sobre o tema já é a constatação de que a situação atingiu um nível preocupante e que providências precisam ser tomadas urgentemente. “As instituições, principalmente as militares, sempre tiveram muita dificuldade em lidar com o assunto. O servidor da segurança é submetido diariamente a muito estresse. Saem para atender a uma ocorrência e não sabem exatamente o que encontrarão; lidam o tempo todo com mazelas sociais. Sem falar no machismo institucional, onde impera a cultura de que homem não sofre, não chora, não adoece”, ressaltou.
Alerta no mesmo sentido foi deixado na carta de despedida do policial militar Francisco Barroso, que suicidou-se no mês de agosto passado, lida durante audiência. Ele menciona o nível de estresse encontrado na corporação e ressalta a importância de que temas como depressão e alcoolismo entre militares sejam debatidos e tratados, pedindo aos companheiros que se cuidem.
O deputado federal, subtenente Gonzaga, presente à reunião, falou sobre as dificuldades que o policial tem de aceitar que precisa de ajuda e, principalmente, de procurá-la. “Mesmo as corporações militares tendo uma estrutura para acolher e tratar o servidor, ele precisa primeiro vencer a barreira dos conceitos e pré-conceitos. Além disso, tem as particularidades da função. Os colegas, ao saberem da situação, passam a ter receio de trabalhar ao lado do companheiro que está ou esteve em tratamento”, destacou.
Os representantes das associações e sindicatos relataram várias situações que levam ao adoecimento mental do servidor. Casos de assédio moral, carga horária excessiva, punições e retaliações, ameaças, além da falta de efetivo, condições logísticas precárias e salários defasados e parcelados, contribuem muito para o quadro. Segundo os relatos, os casos de suicídios e afastamentos para tratamento psiquiátrico aumentou em todos os segmentos da segurança. Os representantes dos militares falaram sobre a ingerência de comandos nos atendimentos médicos, que é uma realidade e que não só compromete o tratamento, como inibe a procura de ajuda, por medo que o servidor tem de ser prejudicado.
Entre os especialistas, a necessidade de um trabalho de prevenção e intervenção é o principal ponto. Robert Willian, presidente da ONG Defesa Social, destacou também ser fundamental a “pósvenção”, lembrando quem a cada suicídio, seis a quatorze pessoas são emocionalmente atingidas. “No caso dos policiais, esse quadro é ainda mais grave, pois, todos os seus colegas de trabalho são abalados, uma vez que, além da perda do companheiro, sabe que estão expostos aos mesmos fatores de risco”, pontuou. A representante do Conselho Regional de Psicologia de MG, Cristiane dos Santos de Souza Nogueira, também fez o mesmo alerta, além de destacar a importância da existência de uma equipe multiprofissional, que se empenhe em estudar cada caso, com o objetivo de descobrir as causa reais do adoecimento e atue na solução, como forma de prevenir novos casos.
O Subtenente da reserva e também psicólogo, Gilberto Agostinho dos Reis sugeriu a criação de um grupo de agentes de saúde mental, composto por militares com formação na área, mas que não compõem o quadro de especialistas das corporações, e tenham interesse em compor o grupo. “Seria uma equipe de trabalho atuando 24 horas no apoio aos colegas, indo às unidades para falar sobre sintomas, diagnósticos, tratamento, participando dos cursos internos. Até mesmo um número de telefone, para funcionar como um call center de acolhimento, poderíamos criar”.
Na mesma linha, falou a Subsecretária de Prevenção à Criminalidade da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública, Andreza Rafaela Abreu Gomes, que representou o Secretário. “É preciso cuidarmos de quem cuida! É isso que fazem os profissionais da segurança; cuidam de todos nós”, afirmou, reforçando a importância de campanhas preventivas, que ajudem os próprios colegas a identificarem sintomas e atuarem como uma rede de apoio. Em resposta aos problemas apresentados pelos representantes dos servidores do sistema prisional e socioeducativos, ela adiantou que a diretoria de saúde está desenvolvendo um estudo para que seja alterada, inclusive, a legislação. “Hoje, os médicos que compõem nosso quadro de funcionários são legalmente impedidos de atender fora do sistema prisional. Ou seja, nossos servidores não estão assistidos e precisam recorrer ao IPSEMG. Não dá para mantermos essa lógica absurda”, afirmou.
As representantes da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros falaram da preocupação com o assunto e de como têm atuado na prevenção, intervenção e acompanhamento. Programas de prevenção ao suicídio, que promovem acompanhamento do militar por profissionais de saúde e ações para reestruturar o atendimento foram apresentadas. Já o Tenente Antônio Marcos Alvim Soares Júnior, Médico Psiquiatra da Polícia Militar de Minas Gerais, questionou os índices apresentados pelos que o antecederam, disse não haver deficiência no atendimento e, principalmente, negou a ingerência de comandantes no trabalho deles, ao que chamou de boato.
O deputado Sargento Rodrigues rechaçou a fala do Tenente Antônio Marcos, demonstrando preocupação. “Causa-nos espanto e apreensão ver um psiquiatra da corporação comparecer a uma audiência com esse tema, se apresentar como médico, professor e pesquisador, mas, ainda assim, preferir atuar apenas como representante institucional, em vez de trazer contribuições técnicas e científicas. O senhor ocupou-se em desmerecer dados trazidos por seus antecessores, como se o assunto fosse menos importante do que o estamos considerando, sem apresentar uma proposta sequer de atuação na área em benefício daqueles que precisam de ajuda. Isso muito me preocupa”, afirmou. Sobre não haver interferência de superiores, nem assédio moral, o deputado pontuou que o tenente não conhece o “chão de fábrica”, não foi submetido ao famigerado RDPM, por isso não faz ideia do que levou os militares mineiros às ruas em 1997. “Eu não entendo sobre psicologia, nem psiquiatria, mas sou doutor em perseguições e retaliações dentro dos quartéis. Eu e todos os que aqui estão representando os servidores”, disse o deputado.
Um dos momentos mais emocionantes da audiência foi a fala da senhora Iderli Consuelo Rocha, mãe de um policial que já tentou se matar oito vezes. Desde 2011, quando aconteceu a primeira vez, que tenta trazê-lo de volta para Belo Horizonte, sem obter sucesso. Ele está lotado no interior, o que dificulta o apoio e o cuidado da família, tão necessários para o sucesso do tratamento. Ela afirma já ter recorrido a todas as instâncias da PM, mas não consegue apoio. Ao mostrar as cicatrizes nos punhos dos filhos, afirma que nem isso serve de prova para que reconheçam que ele é doente e que precisa de ajuda. “A PM não quer proteger seus funcionários, não quer investir no tratamento efetivo, em acolhimento, em apoio. Prefere gastar fortunas com internações, deixando que fiquem esquecidos em hospitais psiquiátricos, ou pagar pensão para as viúvas. Eu vou lutar até o fim. Isso é só uma fase e meu filho vai ficar bom”, afirma. Ao falar sobre as consequências da depressão, que leva ao alcoolismo e outros vícios, ela fez um alerta à corporação, ressaltando o grande número de policiais que hoje trabalham sobre efeitos de drogas, lícitas e ilícitas, e os riscos que isso representa, não só para eles próprios, mas para a sociedade e para os colegas de trabalho.
Ao encerrar, o deputado Sargento Rodrigues ressaltou que esta foi a primeira audiência que a Assembleia Legislativa realizou sobre o tema e voltou a pedir que os responsáveis pelas Policias Civil e Militar, Corpo de Bombeiros e Sistema Prisional e Socioeducativo deem a devida atenção à saúde mental e emocional de seus servidores. Muitas das causas apontadas, já foram temas de audiências anteriores, o que prova que os problemas existem e que precisam ser enfrentados e resolvidos por quem tem autoridade e poder para isso. “Nosso objetivo foi fazer uma audiência propositiva, para somar esforços. Todas as sugestões aqui trazidas foram devidamente recebidas e vão ser avaliadas, para que possamos propor leis e/ou ações no sentido de que sejam implantadas”, afirmou o deputado. Para embasar as ações, foi apresentado requerimento solicitando às instituições que informem a comissão sobre o número de suicídios tentados e consumados nos últimos cinco anos. Outro requerimento, apresentado pelo presidente da comissão, solicita ao Comando da Polícia Militar a transferência para Belo Horizonte do policial filho da senhora Iderli Rocha, com o encaminhamento do seu depoimento na audiência, por meio das notas taquigráficas.
* Fotos ALMG: Guilherme Bergamini
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