20 ANOS DO MOVIMENTO GREVISTA DE 1997

19396595 1553140088092424 1460307055581720602 nAo iniciar minhas primeiras palavras para esse discurso, me coloquei diante dos acontecimentos vivenciados por nós naquela época e me comprometi não selecionar os fatos, diminuir ou potencializar a participação de quem quer que seja, pois as páginas escritas por aquele movimento pertencem a todos. Nenhum de nós podemos dizer que fomos os idealizadores daquela greve.

Ela ocorreu de forma espontânea. O sentimento de indignação, de desrespeito e de traição pelo Alto Comando da Polícia Militar e pelo Governo do Estado da época foram, sim, os grandes impulsionadores que desencadearam todos os fatos a partir do dia 13 de junho de 1997.

Alguns devem estar se perguntando, porquê realizar uma homenagem a um movimento grevista? Outros devem achar que seria perda de tempo, que não acrescentaria em nada. Mas, segundo os historiadores, a história começa a decantar a partir de dez anos após os fatos e, assim, me senti na obrigação de trazer algumas informações sobre a Greve da PMMG de 1997 e compartilhar com nossos companheiros e familiares, deixando registrado nos anais desta Casa Legislativa, para quem sabe, um dia, possa servir, não apenas como páginas de uma história, mas como experiência vivida pelo Poder Público e que os erros do passado não se repitam, nem no presente, nem no futuro.

Nesse contexto, destaco aqui trecho do depoimento do Deputado Durval Ângelo, ouvido como testemunha de defesa do sétimo acusado, o Sargento Sílvio Henrique Beletabla Bravo, na sala do SubComando do 5º BPM:

“Perguntado se a participação do Sargento Bravo e dos demais acusados teria afetado a honra, o decoro da classe e o pundonor militar. RESPONDEU: que em hipótese alguma, que a PM só tem a ganhar com este movimento que foi um acontecimento ímpar que mostrou à população os problemas que os policiais militares também passam; QUE o movimento recebeu todo apoio da população; QUE se a PM souber aproveitar esta experiência ela só terá a ganhar. PERGUNTADO se a população repudiaria o ato de retaliação aos policiais pelo qual estaria passando os acusados do presente conselho, RESPONDEU que se houver o arbítrio e a injustiça qualquer um repudiaria; QUE acredita que o presente conselho vai usar de sabedoria quando julgar os fatos constantes neste conselho; QUE é um momento de reconciliação, de união da família policial militar; QUE talvez nem seja uma questão de repudiar ou não uma vez que acredita na capacidade de justiça do conselho...”.

Em outro depoimento, transcrevemos trecho da fala do então Major Domingos Sávio de Mendonça, na qualidade de segunda testemunha indicada pelo Sargento Bravo:

“QUE, como P/1 do CPC, pôde presenciar a preocupação dos Comandantes das Unidades com a gravidade da situação da tropa, fato que motivou a elaboração de um documento intitulado “Situação de Penúria da tropa”, documento este que foi consolidado na P/1 e encaminhado ao EMPM; QUE um mês antes da crise na PM o Cmt Geral foi convidado a comparecer em uma reunião de Comandantes realizada na Instância de Hibisco em Contagem/MG, ocasião em que novamente lhe foi comunicado pelos comandantes de Unidades a respeito da situação de penúria da tropa, com militares morando em barracos de lona, endividados e até casos de suicídios...” .

Precisamos deixar isso bem claro para que a história não possa ser modificada ou reproduzida ao bel prazer daqueles que não participaram ou tenham interesses em escamotear a verdade, o que levou as praças da PMMG saírem às ruas de Belo Horizonte, depois de 222 anos de instituição. Foi a questão salarial? Sim! Podemos afirmar que a decisão do Governador de Minas Eduardo Azeredo em conceder um reajuste somente aos oficiais e não estender as praças foi a última gota d’água que faltava para o balde transbordar.

O tratamento vivenciado por todos nós, praças, no interior dos quartéis, não chegava ao conhecimento da população, que não tinha a mínima ideia do que se passava entre os muros dos quartéis.

Além dos graves problemas financeiros e do estado de penúria que as praças passavam, ainda tinham que suportar um tratamento desumano, degradante e humilhante por parte do Oficialato, este apoiado num antigo Regulamento Disciplinar, mais conhecido como “amarelinho”, em referência à cor de sua capa.

Registro aqui algumas informações que vejo de muita importância para a exata compreensão de todos sobre os bastidores de nossa greve. Este Regulamento Disciplinar ainda guardava semelhança ao primeiro Código Disciplinar da PMMG, datado de 1831, que continha vinte e cinco artigos e pena administrativa de dois a seis anos de prisão.

Após um estudo de monografia, cheguei à conclusão que os 11 Decretos que foram editados, dando vida e renovando os regulamentos disciplinares ao longo de quase duzentos anos, nos mostrou claramente que todo esse esforço do oficialato para manutenção do binômio hierarquia e disciplina, tinha um único objetivo: a subordinação das praças a qualquer custo! Em momento algum da história da instituição, se teve o enfoque de disciplinar a força pública com vistas a prestação do serviço de segurança para a população, mas, sim, a plena obediência das praças aos oficiais.

Feito esse registro, retornamos a junho de 1997 e o fato de termos sobre nossos ombros um Regulamento Disciplinar que levou muitos ao suicídio, a desagregação familiar, a distúrbios psiquiátricos e ao alcoolismo, esse sentimento de revolta estava sedimentado, há anos, nas cabeças das praças.

Quando tomamos conhecimento que o Governador do Estado havia chamado o Comando-Geral da PM para tratar do reajuste, novamente destacamos outro trecho do depoimento do então Major Domingos Sávio de Mendonça:

“QUE no dia 12jun97, um dia antes da passeata dos militares, os Comandantes de Unidades do CPC, estando presente o depoente, se reuniram com alguns coronéis da PM (Cel Antônio Carlos, Cel Eleutério, Cel José Guilherme, Cel Ari, Cel Seixas, Cel Isac) com a finalidade de comunicar-lhes a situação insustentável de insatisfação e indisciplina nos quartéis das unidades do CPC; QUE nesta ocasião o Exmo. Cel Cmt Geral, apesar de toda situação relatada ainda defendia que os salários na PM não eram defasados; QUE naquela ocasião o Cel Eleutério fazendo uso da palavra disse aos Cmts de Unidade: “que foi favorável à concessão do aumento para os oficiais porque acreditava que os mesmos iriam segurar a tropa e que o soldado antes de entrar na PM estavam comendo arroz e feijão e depois de ingressar nas fileiras da Corporação podiam comer arroz feijão e carne e ainda estava querendo iogurte”; QUE por tudo que foi relatado, a testemunha entende que os causadores da manifestação e indisciplina das praças foram as autoridades que tinham o dever legal de proporcionar condições dignas para o desempenho das atividades de segurança pública da tropa; QUE a insatisfação e indisciplina se instaurou na PM em razão da descrença da tropa em relação aos integrantes do alto comando; QUE a saída do Cel Nelson Fernando Cordeiro do Comando Geral da PM teria ocorrido em razão do mesmo ter verificado que não havia disposição do governo em solucionar as dificuldades e carências da Corporação; QUE o Exmo. Governador escolheu para substituí-lo o Cel Antônio Carlos, que havia servido com o mesmo na prefeitura de BH, onde, inclusive, foi promovido de Ten Cel para Cel, sendo que se pode notar que em razão do discurso deste Cel negando a defasagem salarial da tropa, o mesmo adotou o posicionamento de representante do governo junto a PM e não da PM junto ao Governo...”

Essa foi a gota d’água que faltava para fazer as praças criarem coragem e romperem com o medo e, no dia 13 de junho de 1997, pela primeira vez na história da Polícia Militar de Minas Gerais, ganhar as ruas da Capital.

Repito: não houve nenhum policial militar, naquele momento, que pudesse se intitular que foi ele o organizador ou o idealizador daquela greve. Nós ganhamos as ruas de forma espontânea e, simultaneamente, os batalhões que iam tomando conhecimento dos fatos, iam aderindo à greve.

Os primeiros a cruzarem os braços e saírem em caminhada foram nossos bravos companheiros do Batalhão de Choque.

Naquele dia, eu estava de serviço na Sala de Operações do 5º Batalhão e lembro, como se fosse hoje, quando ouvi pela Rádio Itatiaia as primeiras notícias que o batalhão de Choque ganhara as ruas em passeata.

A inquietude tomou conta de mim e, junto aos companheiros Sargento Bravo e Sargento Milton, passamos a arregimentar mais praças do Batalhão e fomos ao encontro dos demais que haviam engrossado a caminhada, juntando-se às praças do Batalhão de Choque e do Batalhão de Trânsito, durante o percurso até a Praça da Liberdade.

Bradamos o Hino Nacional, ficamos de joelhos em frente ao Palácio da Liberdade, fizemos orações, queimamos contracheques e depois fomos recebidos pelo então Secretário da Casa Civil, Agostinho Patrus.

No dia 14 de junho voltamos a nos reunir na sede do Clube de Cabos e Soldados. Nas reuniões, traçamos algumas estratégias e, naquele mesmo dia, guardo em minha memória, o clube estava lotado, havia mais de cinco mil policiais e bombeiros militares quando, quase no final da reunião, ao fundo da multidão, vi um bombeiro fardado com a gandola de manga comprida gritar: “É Minas na vanguarda do Brasil!”.

Nos bastidores, logicamente, iniciavam as perseguições, a guerra de informações e contrainformações, que prisões poderiam acontecer a qualquer momento e todos estavam apreensivos.

O Comando da PMMG já havia dado ordens para os agentes do Serviço de Inteligência, e todos nós passamos a ser monitorados. Aqueles que se revezavam no palanque ou carro de som, foram tratados como líderes e, nestes, a pressão passou a ser maior ainda.

Entre uma passeata e a outra se passaram 11 dias. Neste período, sofremos muita pressão psicológica, ameaças de expulsão, prisões, transferências para locais bem distantes e um monitoramento permanente por parte do Serviço de Inteligência.

No dia 24 de junho de 1997, após reunirmos no Clube de Cabos e Soldados, ganhamos as ruas pela segunda vez, saindo em passeata do bairro Nova Gameleira até a Praça da Liberdade.

Ao chegarmos na Praça Sete de Setembro, nossa passeata ganha a adesão dos investigadores, escrivães, inspetores, carcereiros e também dos agentes penitenciários.

O caminho a ser percorrido era somente um, a Praça da Liberdade, onde marchamos de forma destemida, todos, com um único sentimento: cobrar do Governo o respeito, o tratamento digno, o reconhecimento pelos serviços prestados, a valorização profissional e melhores condições de trabalho.

Nossa passeata foi aplaudida por onde passava. Até chuva de papel picado recebemos da população, que naquela altura, já conhecia as causas do nosso movimento.

Chegamos à Praça da Liberdade e lá havia um cordão de isolamento feito pela chamada FORLEG (Força Legalista), uma tropa formada por alunos da Academia da Polícia Militar e de companheiros que foram trazidos do interior do Estado, que sequer sabiam porque estavam ali.

No momento em que chegávamos com o carro de som, o cordão de isolamento foi rompido e nós caminhamos em direção ao prédio do Comando-Geral da PMMG, onde mais tarde, devido à intransigência do Governo e do Alto Comando, um trágico tiro é disparado vitimando nosso companheiro Cabo Valério.

Mais uma vez, as palavras do então Major Domingos Sávio de Mendonça esclarecem:

“QUE as ações do governo deteriorando as condições internas na PM e omissão do Comando que não cumpriu as suas políticas inseridas no programa de comando elaborado no início da gestão do atual governo se constituíram em condições “sine qua non” para a crise na PM, pois se tais políticas tivessem sido concretizadas, certamente a Corporação não teria vivenciado lamentáveis episódios e que o Cb Valério também não teria morrido...”.

Neste sentido também destacamos a matéria publicada pelo Jornal Hoje em Dia em sua página 12, com o seguinte título:

Um dia para ser lembrado
A Terça feira de 24 de junho de 1997 vai soar definitivamente emblemática na história de Minas Gerais. Um movimento e um tiro que certamente ecoarão pelos próximos anos e, quem sabe, décadas. Vão se transformar em teses, em livros, talvez. Mas, irão além disto. Se inscrevem como desafios presentes para o governo, para a própria polícia militar e a sociedade. A pergunta que se faz agora é: qual o caminho, o que virá amanha?, o que houve já se sabe. A sexta-feira, 13 de junho, foi o prenúncio! Milhares de soldados, cabos e sargentos nas ruas, uma cena de protesto jamais vista neste Estado que se gaba da tradição, da ordem e das saídas conciliadoras. A diferença para o dia 24 está no resultado do protesto. Como em outras circunstâncias da história, pode-se repetir que um dos tiros disparados durante a manifestação não atingiu só a cabeça do Cabo Valério dos Santos Oliveira. A bala, sem trocadilhos, está na trajetória de Minas Gerais. Está cravada nas imagens de um 24 de junho que não vai mais ser esquecido.”

Com o término do movimento grevista, o governo e o comando pôs em prática toda sua ira e passou a perseguir todos aqueles que foram identificados em jornais, revistas, imagens de TV e pelos agentes do serviço de inteligência. Várias fotos que conseguimos localizar estavam marcadas indicando os nomes dos policiais e bombeiros militares que participaram da greve. Mesmo com todos os erros cometidos pelo alto-comando da PMMG e do próprio governo, estes não foram capazes de reconhecer suas falhas e passaram a perseguir as praças.

Os atos de perseguições e retaliações resultaram em 186 praças expulsos da corporação, 1.759 indiciados em IPMs, mais de 5.000 praças foram punidos com prisões administrativas e nosso companheiro Cabo Valério Santos Oliveira morto em decorrência das ações e omissões do Comando e do Governo. Mais uma vez transcrevemos outro trecho do depoimento do Major Domingos Sávio de Mendonça que retrata de forma antecipada os desdobramentos destas perseguições:

“QUE o depoente destaca que o açodamento e precipitação na solução do Conselho de Disciplina e processos sumários de audiência poderia servir para satisfazer politicamente o Exmo. Governador do Estado que teve a sua autoridade desgastada pelo movimento das praças, contudo, poderá servir para asfaltar de forma indelével o fosso que separa atualmente os oficiais das praças, pois aqueles que forem excluídos considerar-se-ão injustiçados pela falta de critério e isenção na apuração das causas e responsabilidade pelos atos de indisciplina da tropa, e os que permanecerem na PM se sentirão culpados pela demissão do que efetivamente lhes garantiram um aumento de salário...” (Major Domingos Sávio de Mendonça)

Ao nosso companheiro Cabo Valério, rendemos nossas mais sinceras homenagens. Sua morte petrificou o dia 24 de junho como o dia de luta e resistência dos profissionais de segurança pública em Minas Gerais e esta data está consignada na Lei Estadual 21.292/2014 de autoria Deste Parlamentar e na Lei 13.449, de 16 de junho de 2017, de autoria do deputado federal Subtenente Gonzaga, que institui o Dia Nacional do Policial e Bombeiro Militar.

Não vamos tratar na data de hoje sobre todos os avanços políticos, sociais e econômicos alcançados pela nossa classe através dos desdobramentos do movimento grevista de junho de 1997. No entanto, esta reunião especial se dedica a homenagear nossos bravos praças da polícia militar que no dia 13 de junho de 1997 romperam com o medo e decidiram lutar pelos seus ideais, pois a única forma do indivíduo alcançar seus direitos é a luta permanente, como nos ensina o grande jurista alemão Rudolf Von Ihering em sua obra “A luta pelo direito”:

“Todos os direitos da humanidade foram conquistados pela luta; seus princípios mais importantes tiveram de enfrentar os ataques daqueles que a eles se opunham; todo e qualquer direito, seja o direito de um povo, seja o direito do indivíduo, só se afirma por uma disposição ininterrupta para a luta”.

Em que pese todo o esforço do comando da polícia militar ao longo dessas duas décadas em omitir de sua história a greve da polícia militar de 1997, os fatos estão registrados em monografias, teses, livros e farto registro jornalístico, portanto, por mais que a Instituição esconda e omita de seus novos integrantes, o resultado deste movimento grevista deve ser lembrado por todas as gerações futuras da Polícia e do Bombeiro Militar, pois somente assim poderemos corrigir e acertar olhando para os erros que foram praticados no passado pelo alto-comando e pelo governo do Estado em 1997.

Força e Honra aos bravos Companheiros!

Deputado Sargento Rodrigues

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